O não-aniversário, fruto da pandemia
Chegou a minha vez. Vi tantos outros no Zoom, comemorando a distância, num esforço em manter laços ofuscados pelo isolamento social. Agora é a minha vez.
Todo ano me permito usar o mês de aniversário para uma grande reflexão. Avalio conquistas e decepções. Desenho planos a partir das conclusões e aproveito claro, para comemorar mais um ano. Porém desta vez, está sendo um pouco diferente.
O aniversário em meio a pandemia é um não-aniversário.
O não-aniversário é aquele que não foi vivido plenamente pois nos sentimos incapazes de comemorar. Há um certo remorso por celebrar a vida em meio a tantas mortes. E a melhor forma de negar esse medo da morte é mergulhando no home office. O não-aniversário é aquele que passa desapercebido entre uma reunião online e outra.
Pela primeira vez, vivo um extremo sentimento de insuficiência. Os meses em quarentena passam e sinto-me incapaz de atender as expectativas da minha esposa e dos meus filhos. Tenho impressão de ser insuficiente na profissão. Me parece que a busca incessante pela eficiência é outro sintoma dessa patologia da pandemia.
Apesar da entrega exaustiva, nada soa suficiente pois afinal, tudo é incerto. O não-aniversário é assim, mergulhado nas incertezas de um mundo indefinido.
Esse mundo incerto que a covid-19 escancarou, na verdade já vinha se moldando há algum tempo. Ele é o contraponto de um mundo das gerações passadas em que tudo era mais estável. No mundo de agora, tudo muda muito rápido. O futuro não está dado.
Para não afogar na angústia causada pelo medo do incerto, é preciso assumi-lo. Responsabilizar-se por um futuro indefinido me parece o remédio para esses novos tempos.
Afinal, esse futuro indefinido é um prato cheio para aquele que tem coragem de criar. Neste não-aniversário, eu resolvi que vou inventar meu próprio futuro e não me deixar levar pela angústia deste mundo desnorteado.