Anitta é Head de Criatividade e Inovação da Skol Beats. Soa falso para você?

Eric Messa
5 min readOct 1, 2019

Vale mais um cargo pomposo do que uma interferência significativa na empresa? Claro que não.

Imagem: Divulgação

A notícia foi anunciada pela imprensa e desde então gerou repercussão sobre a sua eficácia e como isso impacta o consumidor. Pediram minha opinião e por isso, trouxe esse texto.

Não quero desmerecer ou ofender os envolvidos nessa estratégia de marketing (ou apenas de comunicação?) pois provavelmente tenho amigos e conhecidos que participaram dela (apesar de não saber quem são os idealizadores).

Minha intenção é colaborar com alguns insights oriundos de diferentes referências. Da semiótica aos estudos sobre mídia, comunicação e comportamento de consumo.

#1 — A líder de área e seu crachá

Ao anunciar um cargo como “head” de determinada área e trazer a foto da Anitta com um crachá, esse composto TEXTO+IMAGEM, apesar de ser claramente metafórico, faz analogia a alguém que vai efetivamente “bater cartão” e trabalhar no dia a dia da empresa.

Cientes dos compromissos de Anitta, soa falsa essa analogia e portanto, causa um estranhamento inicial.

Talvez melhor seria o cargo de “Diretora Criativa”, algo mais comum na Moda, que convida nomes reconhecidos para atuar numa linha de produtos em particular. Por exemplo, Karl Lagerfeld, Jean Paul Gaultier, Marc Jacobs, entre outros, já trabalharam como Diretores Criativos de Diet Coke, sendo responsáveis ao longo de um ano pelo design das garrafas, estratégias de comunicação etc.

Assim, quero reforçar que essa estratégia não é nova e já aconteceu em outros casos, com mais ou menos sucesso:

Em 2016, Bacardi anunciou como “global chief creative for culture” o rapper Swizz Beatz.

Em 2018, Jay-Z foi diretor criativo da Puma.

No início de 2019, Konrad Dantas (Kondzilla), foi anunciado como novo diretor criativo da marca de vodca Orloff.

Ou seja, a estratégia não é nova, mas o uso do termo “líder de área” e a imagem do crachá podem gerar interpretações que culminam nessa impressão de “marketing de fachada”.

#2 — A espetacularização do crachá

Se há críticas, talvez parte se dê pela crise do próprio setor. Em agências de publicidade não é de hoje, a tática da espetacularização de cargos que servem mais para impressionar o cliente ou o próprio funcionário do que designar efetivamente suas atividades, soa no fim das contas, como um “cargo de fachada”. Somado a isso, o conhecimento de que trata-se de uma artista musical extremamente ocupada, mais uma vez, não dá pra crer que ela estará presente todos os dias na empresa, como um crachá pode simbolizar.

Por conta disso, o comunicado de divulgação traz uma declaração da cantora: “Eu sou muito prática, sem rodeios. Vou acompanhar o dia a dia via WhatsApp e estarei também em reuniões gerais”.

Num dado momento, o comunicado evidencia a participação parcial da cantora. O vice presidente de marketing deixa claro que um novo sabor de Skol Beats já está programado para lançar em Outubro e que ela não idealizou o projeto, fez apenas alterações: “Já no mês que vem teremos uma nova bebida, com uma nova embalagem e que já tem alterações solicitadas por ela”. Mas em outra passagem ele é mais certeiro: “Inauguramos um novo capítulo no marketing da Ambev. Ela vai participar de todo o processo criativo da marca”.

Aqui, vale dar uma grande ênfase para a consideração de que publicidade e marketing são setores em grande transformação e parte dessa mudança passa por trazer para dentro dessas áreas disciplinas que não faziam parte delas. Nesse contexto, trabalham hoje nesses setores profissionais originários de áreas como ciência de dados, programação, jornalismo, cinema, televisão, música, etc. Só para citar, o músico Max de Castro foi contratado recentemente pela Africa. Pois bem, dito isso, suponho que parte das críticas à Anitta+Skol Beats são de profissionais conservadores que estão com medo de toda essa transformação.

#3 — Trata-se da forma e não do fato em si

Assim, minha constatação é que a impressão crítica e negativa se fez muito por conta da forma como escolheu-se anunciar o fato do que ele em si.

O anúncio da contratação de Anitta poderia ser de outra maneira e seria bem melhor visto. Por exemplo, enfatizando a importância do olhar de uma profissional do mundo do entretenimento musical, com repertório artístico e criativo que só tem a colaborar com uma marca como Skol Beats. E trazer esse anúncio através de um vídeo com a própria Anitta fazendo o anúncio, ao lado de toda equipe de marketing, no escritório da Ambev. Penso que esse formato poderia ter uma repercussão diferente.

#4 — Trata-se de influência e não propaganda

Por fim, quero enfatizar nessa reflexão uma particularidade extremamente positiva mas que ficou apagada pela forma como foi anunciado.

Ao contratar Anitta, a Ambev adota uma estratégia de comunicação com uma celebridade que foge dos modelos tradicionais que são muito mais pontuais e fugazes.

A própria cantora evidenciou que vai passar a priorizar parcerias mais longas e duradouras.

Eu torço para que ao longo dos próximos 18 meses, ela seja mesmo capaz de participar ativamente da equipe de marketing de Skol Beats. Não apenas por whatsapp, mas com presença ativa, interferindo, decidindo, colaborando com repertórios e referências diferentes daquelas que os marqueteiros e publicitários estão acostumados.

Afinal de contas, Anitta é uma verdadeira expert em produção de conteúdo para as massas.

Ela é uma das poucas que domina o algoritmo das redes sociais. Sabe como e quando produzir conteúdo para YouTube para garantir sua relevância dentro desta plataforma. Anitta tem muito a ensinar.

São parcerias assim que deveríamos valorizar com as celebridades, creators e influenciadores digitais. Deixar de lado a ideia de garoto propaganda que reproduz um texto comercial e abraçar a causa daquela pessoa.

Algo mais consistente e duradouro, como marcas de esporte fazem com atletas. Além de usar a imagem deles em campanhas, essas marcas apoiam, incentivam e patrocinam o atleta. No exemplo mais recente, algo como o que Nike fez com Colin Kaepernick e Serena Williams ou num projeto de mais longo prazo, a parceria entre Nike e Michael Jordan.

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Eric Messa

Comunicação, Comportamento e Cultura Digital | Publicidade | Marcas. Professor e Coordenador na FAAP/SP. Outras redes: linktr.ee/ericmessa